Em 9 de setembro, a Controladoria-Geral da União (CGU) publicou a Portaria nº 3.032/2025, que consolida oito enunciados sobre a aplicação da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e do Decreto nº 11.129/2022. A medida representa um avanço na interpretação uniforme dos dispositivos, trazendo maior segurança jurídica e previsibilidade para empresas e para a administração pública nos Processos Administrativos de Responsabilização (PAR).
O que a portaria estabelece?
Os novos enunciados reforçam pontos sensíveis da aplicação da Lei Anticorrupção, entre eles:
- Aplicação retroativa do Decreto nº 11.129/2022: as regras de cálculo da multa valem para todos os processos com relatório final a partir de 18 de julho de 2022, mesmo que os fatos investigados sejam anteriores.
- Vantagem indevida em sentido amplo: inclui bens, serviços e proveitos de qualquer natureza — materiais, imateriais, morais, políticos ou sexuais — ainda que sem valor econômico direto.
- Responsabilidade objetiva: não é necessário provar a intenção de corromper; basta que o ato tenha sido praticado em benefício, exclusivo ou não, da pessoa jurídica.
- Solicitação de vantagem pelo agente público: não exclui a responsabilidade da empresa envolvida.
- Brindes e hospitalidades: só são permitidos quando estiverem em conformidade com o Decreto nº 10.889/2021, respeitando o interesse público e os limites legais.
- Eventos de entretenimento: convites fora dos parâmetros legais configuram infração.
- Documentos falsos em licitação: a simples apresentação já gera responsabilização, mesmo que a empresa não vença o certame.
- Sanções cumulativas: multa e publicação da decisão podem ser aplicadas juntas, salvo exceções em acordos de leniência ou termos de compromisso.
Quais os impactos para o setor privado?
Os riscos se tornam mais evidentes e as consequências, mais severas:
- Financeiros: multas que podem chegar a 20% do faturamento bruto;
- Reputacionais: danos à imagem e à confiança do mercado;
- Operacionais: maior necessidade de revisar e fortalecer os programas de integridade.
A retroatividade das regras de cálculo de multa é um dos pontos mais sensíveis. Embora a CGU tenha buscado uniformizar a interpretação, essa mudança pode gerar disputas judiciais, principalmente em casos em que o Decreto nº 8.420/2015 era mais favorável. Empresas envolvidas em processos em andamento devem avaliar com atenção o impacto financeiro e reputacional da mudança e preparar estratégias de defesa adequadas.
Como as empresas podem se preparar?
Para reduzir riscos e evitar responsabilização administrativa, é essencial que as organizações adotem estruturas robustas de integridade, incluindo:
- Programas de integridade baseados em avaliação dos riscos de suas atividades;
- Treinamentos regulares para colaboradores e terceiros;
- Controles internos eficazes contra fraudes e corrupção;
- Canais de denúncia seguros e auditáveis;
- Auditorias independentes e monitoramento contínuo das políticas;
- Adoção de boas práticas reconhecidas, como o selo Pró-Ética da CGU.
A CGU reforça não apenas a necessidade de programas de integridade formais, mas a sua efetividade. Isso significa que manuais, políticas e treinamentos não devem ser tratados como mera formalidade. A autarquia avaliará se os mecanismos funcionam na prática, se há monitoramento constante e se a alta gestão está comprometida com a cultura de integridade. Nesse cenário, falhas na execução podem ser tratadas da mesma forma que a ausência de controles.
Considerações finais
A publicação da Portaria nº 3.032/2025 é um marco para o ambiente regulatório brasileiro. Ao mesmo tempo em que oferece mais clareza sobre as regras, também aumenta as exigências sobre as empresas no relacionamento com a administração pública.
Na prática, a tendência é de que a CGU consolide sua posição como autoridade central nos casos de responsabilização de empresas. Para o setor privado, o recado é claro: será cada vez mais necessário investir em uma cultura de integridade efetiva, que vá além da formalidade documental e seja percebida em todos os níveis da organização. Esse movimento pode redefinir, nos próximos anos, a forma como o setor privado estrutura seus negócios e interage com o setor público.