A recente Resolução nº 498, do Banco Central do Brasil (BCB), representa uma transformação silenciosa, mas profunda, na arquitetura do sistema financeiro brasileiro. Ao estabelecer novos procedimentos e obrigações normativas às empresas Provedoras de Serviços de Tecnologia da Informação (PSTI) – aquelas que a prestam serviços de processamento de dados, para fins de acesso à Rede do Sistema Financeiro Nacional –, dentre eles, a necessidade de capital mínimo de R$ 15 milhões e o estabelecimento de padrões mais rigorosos de governança, o Banco Central deixa claro que essas empresas deixam de ser apenas prestadoras de infraestrutura e passam a ser elementos centrais da estabilidade financeira.
De prestadores de serviço a agentes de estabilidade
Historicamente, provedores de tecnologia (empresas de nuvem, data centers, plataformas de pagamento, desenvolvedores de soluções críticas, etc.) atuavam sob contratos privados, supervisionados apenas pelos próprios bancos ou fintechs que os contratavam.
Com a nova resolução, o Banco Central reconhece que a falha de um provedor tecnológico pode comprometer a solidez do sistema e, por isso, amplia sua supervisão direta sobre tais agentes.
Essa mudança regula não apenas processos, mas também posições de poder. Empresas de tecnologia financeira e bancos digitais, que dependem intensamente de infraestrutura terceirizada, precisarão repensar seu grau de dependência e o custo de garantir autonomia tecnológica em um ambiente mais regulado.
Entre concentração e especialização
As novas exigências, principalmente aqueles referentes à necessidade de capital e conformidade de governança, inevitavelmente elevam a barreira de entrada para provedores de tecnologia. A tendência é a concentração do mercado, com fornecedores que deverão aplicar recursos e esforços para serem capazes de atender plenamente às exigências do BCB e uma potencial procura das instituições reguladas pelo Banco Central moverem suas soluções tecnológica para dentro de casa.
Ainda assim, abre-se caminho para o surgimento de nichos especializados, em que PSTIs certificados pelo Banco Central e auditorias digitais independentes dedicadas a validar a conformidade tecnológica de instituições financeiras, encontram mais espaço no mercado.
O novo eixo da regulação financeira
A Resolução BCB nº 498 deve ser compreendida como mais do que um ajuste técnico: ela representa um novo eixo de regulação, em que o risco tecnológico é reconhecido dentre os riscos do sistema financeiro.
Essa mudança ocorre em um contexto de crescente interdependência entre finanças e tecnologia, evidenciada pelo avanço do Pix e do Open Finance, por exemplo, e pelo aumento dos ataques cibernéticos que colocaram a continuidade operacional das instituições em foco.
O Banco Central, portanto, não apenas responde a um cenário de vulnerabilidade tecnológica, mas redefine o próprio alcance de sua supervisão, passando a incorporar elementos tradicionalmente tratados como “não financeiros”.
O futuro em código regulatório
No cenário atual, ainda, resta claro que as empresas de tecnologia que compreenderem essa transição não apenas como um ônus, mas como uma oportunidade de credibilidade regulatória, tendem a ocupar posição privilegiada no novo arranjo do sistema financeiro.
Nesse novo cenário, a maioria dos agentes do sistema financeiro precisarão se adaptar, desenvolvendo estratégias que conciliem inovação com resiliência operacional e conformidade regulatória, o que requer conhecimento técnico aliado ao desenvolvimento do negócio.

