A cessão de ativos de propriedade intelectual (PI) é o instrumento jurídico que viabiliza a transferência definitiva da titularidade de bens intangíveis, como marcas, patentes, desenhos industriais e obras protegidas por direitos autorais (como obras musicais, literárias e software). Trata-se de uma operação estratégica que pode agregar valor significativo a negociações comerciais, fusões, aquisições e expansão internacional.
Natureza e efeitos da cessão
Nesse tipo de contrato, o proprietário (cedente) transfere em caráter definitivo ao adquirente (cessionário) todos os direitos econômicos sobre determinado ativo. Essa cessão pode ser total ou parcial, conforme a natureza do ativo e os interesses das partes, sendo essencial a descrição precisa dos direitos envolvidos na negociação. A ausência dessa definição pode gerar discussões sobre a extensão dos direitos transferidos.
Este tipo de transação possui natureza diferente do licenciamento, outra operação comum envolvendo ativos de PI. O licenciamento é uma autorização para o uso do ativo, sem transferência de sua titularidade. Fazendo um paralelo com um imóvel, a cessão seria equivalente a uma venda, enquanto a licença seria equivalente a um aluguel.
Titularidade, garantias e responsabilidades
Na cessão de ativos de PI, é fundamental ter segurança sobre a titularidade do ativo cedido e sobre a forma como seu desenvolvimento foi realizado (inclusive se abrange a utilização de eventuais direitos de terceiros). Recomenda-se a realização de uma auditoria jurídica (due diligence) para verificar se o ativo está devidamente registrado (quando for o caso), livre de ônus e sem disputas judiciais ou extrajudiciais.
O contrato deve prever cláusulas de garantias e responsabilidades, nas quais o cedente declara ser o legítimo titular do ativo e se compromete a indenizar o cessionário em caso de reivindicações de terceiros ou limitações ao uso do ativo. Também é importante prever a obrigação de cooperação do cedente em eventuais litígios ou procedimentos administrativos.
A ausência de precauções dessa natureza pode gerar riscos significativos. Em caso prático, podemos considerar uma empresa que tenha adquirido uma marca sem investigar a titularidade, e posteriormente seja acionada judicialmente por um ex-sócio do cedente, alegando copropriedade. Sem cláusulas de proteção adequadas, a empresa teria dificuldades para se defender e sofrer prejuízos comerciais.
Especificidades na cessão de ativos de propriedade industrial
A cessão de ativos de propriedade industrial — como marcas, patentes e desenhos industriais — envolve uma série de particularidades legais e operacionais que merecem atenção especial. No caso das marcas, por exemplo, a Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial – LPI), prevê, em seu artigo 135, que o titular que promover a cessão de uma marca deverá, obrigatoriamente, ceder todas as marcas iguais ou semelhantes, relativas a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, sob pena de cancelamento pelo INPI do registro das marcas não cedidas. Essa regra visa evitar confusão no mercado e seu desconhecimento no momento da estruturação de uma operação de transferência de ativos pode gerar prejuízos substanciais ao cedente, especialmente se envolver marcas de valor estratégico que ele pretendia manter sob sua titularidade.
Já no que se refere a patentes e desenhos industriais, podem também existir restrições importantes quanto à sua cessão, notadamente quando esses ativos estão vinculados a financiamentos públicos, contratos anteriores ou políticas internas de ICTs (instituições científicas e tecnológicas) que tenham participado de seu desenvolvimento.
Ademais, pode ser recomendável o registro do contrato de cessão de ativos de propriedade industrial no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Isso porque o registro garante eficácia perante terceiros, propiciando maior segurança jurídica.
Na prática, sem o registro, um terceiro poderia celebrar negócio com o antigo titular do ativo sem saber que o direito foi anteriormente cedido — e o cessionário pode ter dificuldades para reivindicar seus direitos.
Especificidades da cessão de obras protegidas por direitos autorais
Em relação à cessão de obras protegidas por direitos autorais, o contrato deve observar rigorosamente os requisitos previstos na lei nº 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais – LDA). É essencial, por exemplo, que o acordo seja por escrito, indicando o prazo da cessão se relacionada a obras futuras (máximo de 5 anos), com definição clara de território abrangido e das modalidades de utilização.
Mesmo após a cessão dos direitos patrimoniais sobre uma obra — ou seja, quando outra pessoa ou empresa passa a ter o direito de explorar economicamente aquela obra —, o autor continua sendo o titular dos direitos morais. Esses direitos são inalienáveis e irrenunciáveis, o que, na prática, quer dizer que quem passa a explorar a obra deve respeitar o direito do autor de ser reconhecido como criador da obra (direito à autoria) e não pode modificar a obra de maneira que prejudique sua honra ou reputação (direito à integridade da obra).
Alguns desafios na cessão de ativos de Propriedade Intelectual
Embora a cessão de ativos de PI possa representar uma excelente oportunidade estratégica — seja para monetização, expansão de mercado ou reorganização societária —, a operação envolve desafios que merecem atenção especial das partes envolvidas.
Um dos principais pontos críticos está na valoração dos ativos intangíveis. Marcas, patentes, desenhos industriais e direitos autorais frequentemente representam uma parcela expressiva do patrimônio de uma empresa, mas sua mensuração exige avaliação técnica especializada ou laudo contábil, considerando não apenas seu valor presente, mas também seu potencial econômico futuro.
Outro aspecto sensível são as implicações fiscais e tributárias da operação. Em casos de cessão onerosa, especialmente entre empresas do mesmo grupo econômico, podem surgir questionamentos por parte das autoridades quanto à substância da operação, exigindo justificativas documentais quanto ao valor atribuído e à efetiva transferência de titularidade. Também é importante observar as normas de preços de transferência, no caso de transações internacionais.
Além disso, a cessão pode ter impacto direto na operação da empresa, sobretudo quando envolve ativos essenciais ao negócio ou quando são transferidos a terceiros com atuação concorrente. Por isso, é essencial que a decisão de ceder um ativo de PI leve em conta, por exemplo, o papel estratégico do ativo no modelo de negócio atual e futuro, as limitações contratuais à sua utilização e a possibilidade de manter licenças residuais ou exclusividades por tempo determinado.
Considerações finais
A cessão de ativos de PI é uma ferramenta valiosa em estratégias de crescimento, reorganização e inovação, mas exige atenção técnica e jurídica para assegurar sua eficácia e segurança. A clareza contratual, a segurança quanto à titularidade, o respeito aos direitos morais do autor, a análise dos impactos econômicos e o correto registro, por exemplo, quando aplicáveis, são etapas essenciais para evitar riscos e garantir o aproveitamento pleno do valor desses ativos intangíveis.