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Contratos em Propriedade Intelectual | Contratos de trabalho e prestação de serviços que envolvam desenvolvimento de propriedade intelectual

Contratos em Propriedade Intelectual | Contratos de trabalho e prestação de serviços que envolvam desenvolvimento de propriedade intelectual

23/10/2025

A criação de ativos de propriedade intelectual — como softwares, patentes, desenhos industriais, obras autorais e marcas — é cada vez mais comum em relações contratuais, seja no âmbito de vínculos empregatícios ou na contratação de prestadores de serviços. Esses ativos representam patrimônio estratégico para empresas, mas a ausência de cláusulas claras sobre titularidade e formas de exploração é uma das principais causas de litígios. Por isso, estruturar adequadamente esses contratos é essencial para garantir segurança jurídica e evitar disputas futuras.   

Tutela legal da titularidade dos direitos de propriedade intelectual  

A legislação de propriedade intelectual regula, em certa medida, a titularidade dos direitos de criações desenvolvidas no âmbito de relações contratuais, no que diz respeito a patentes, desenhos industriais e software.   

A Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996 – LPI) prevê que, quando o empregado é contratado para exercer atividade inventiva, a titularidade da patente ou do desenho industrial pertence ao empregador. Se, entretanto, a criação ocorre fora do escopo das atividades contratadas e sem uso de recursos da empresa, o direito é do empregado. Há, ainda situações híbridas, em que a invenção decorre do esforço do empregado com uso de recursos da empresa, resultando em titularidade compartilhada.   

No caso de programas de computador, a Lei de Software (Lei nº 9.609/1998) adota lógica semelhante: quando o empregado é contratado especificamente para desenvolver software, os direitos patrimoniais pertencem ao empregador; caso contrário, permanecem com o empregado.   

As regras sobre programas de computador alcançam não só as relações de emprego, mas também as que envolvem prestadores de serviços, bolsistas e estagiários, de acordo com o art. 4º da Lei de Software. De forma semelhante, as disposições da LPI aplicam-se, no que couber, às relações entre trabalhadores autônomos e empresas contratantes, bem como entre empresas contratantes e contratadas, conforme o art. 92.  

Para além das disposições legais sobre titularidade, a experiência jurisprudencial tem revelado novas discussões acerca da remuneração relacionada ao desenvolvimento de software por empregados. Nesse contexto, destaca-se a recente decisão da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST)1, que manteve indenização de R$ 1,5 milhão a um analista de sistemas que, dentro de suas atribuições, criou softwares utilizados e comercializados pela empresa ao longo de mais de três décadas. O Tribunal reconheceu que o uso contínuo e altamente lucrativo das criações, ainda que sem previsão contratual de remuneração adicional, consolidou no trabalhador uma expectativa legítima de compensação, configurando um ajuste tácito entre as partes. O caso evidencia a importância de contratos claros quanto à titularidade e à remuneração por criações intelectuais, a fim de prevenir litígios dessa natureza.  

Essa necessidade de formalização contratual também se manifesta em outras modalidades de criação intelectual.  

No caso de obras autorais em geral — como textos, fotografias, ilustrações, roteiros ou músicas —, a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998) determina que a transferência dos direitos patrimoniais deve ser formalizada por contrato escrito. Não há presunção legal de titularidade em favor do contratante, o que torna indispensável a inclusão de cláusulas expressas de cessão ou licença de direitos patrimoniais, conforme o caso.    

Da mesma forma, o desenvolvimento de marcas também exige atenção especial. A titularidade da marca depende do depósito e registro no INPI, em nome da pessoa física ou jurídica que pretende utilizá-la. O fato de um designer ou agência ter criado o nome e o logotipo não os torna automaticamente titulares da marca, embora possam deter direitos autorais sobre os elementos gráficos. Assim, para assegurar à empresa contratante liberdade de uso e segurança jurídica no registro e exploração da marca, é essencial que o contrato preveja a cessão expressa dos direitos patrimoniais sobre o logotipo e demais criações visuais, bem como disposições que regulem que o registro da marca será feito pelo contratante (ou em seu benefício).  

Titularidade, garantias e responsabilidades  

Para evitar conflitos, é recomendável que os contratos — tanto de trabalho quanto de prestação de serviços — incluam cláusulas específicas sobre a titularidade dos ativos criados, obrigações de confidencialidade, colaboração em registros administrativos e garantias de originalidade. Nesse ponto, o ideal é que o criador se obrigue a elaborar obra, invenção ou software original e a não infringir direitos de terceiros, assumindo responsabilidade em caso de reivindicações futuras.  

A ausência dessas previsões pode gerar consequências graves. Por exemplo, uma agência que encomenda ilustrações sem contrato de cessão pode ser impedida de reutilizar as obras em campanhas futuras, gerando prejuízos operacionais e reputacionais.   

Desafios práticos e riscos comuns  

Na prática, diversos desafios podem comprometer a eficácia desses contratos. Um dos mais recorrentes é a falta de atualização contratual, que não acompanha mudanças legislativas, jurisprudenciais ou estruturais do negócio. Também se deve tomar cuidado com instrumentos genéricos, que não delimitam com precisão as atribuições, responsabilidades, e direitos das partes, o que pode gerar insegurança jurídica, interpretações divergentes e disputas quanto à extensão das obrigações e à titularidade de direitos. Além disso, a gestão de múltiplos empregados, colaboradores ou prestadores exige atenção redobrada para evitar sobreposição de direitos, conflitos de autoria e disputas sobre titularidade.   

Em projetos internacionais, o cenário se torna ainda mais complexo. É necessário considerar tratados multilaterais, legislações locais e regras específicas de registro e proteção territorial. A ausência de harmonização entre os sistemas jurídicos pode gerar lacunas na proteção dos ativos e dificultar sua exploração comercial em diferentes países.   

Também são frequentes disputas envolvendo cláusulas de exclusividade, participação nos resultados ou uso indevido de ativos intelectuais, especialmente quando o contrato não estabelece mecanismos claros de controle e solução de conflitos. Esses riscos podem ser mitigados com revisão periódica dos contratos, alinhamento de expectativas entre as partes e definição precisa das obrigações e direitos em cada relação jurídica.  

Boas práticas contratuais

Contratos de trabalho e de prestação de serviços que envolvem desenvolvimento de propriedade intelectual são instrumentos fundamentais para proteger e valorizar ativos intangíveis. A legislação brasileira oferece soluções específicas de titularidade para algumas modalidades, como patentes, desenhos industriais e softwares, mas exige, de modo geral, que a cessão de direitos patrimoniais seja expressa e formalizada por escrito.  

Garantir clareza contratual quanto à titularidade, respeitar os direitos morais dos criadores, prever cessão ou licença adequada, e incluir obrigações de confidencialidade e responsabilidade são medidas indispensáveis para que as empresas possam explorar ativos intelectuais com segurança e para que criadores tenham seus direitos preservados. Assim como a cessão de um ativo de propriedade intelectual já existente requer contrato claro e formal, também as criações desenvolvidas no âmbito de relações contratuais devem ter sua titularidade e diretos expressamente definidos, garantindo segurança jurídica às partes.  

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