A Lei nº 14.973/24 alterou significativamente a disciplina dos depósitos judiciais federais, incluindo aqueles de natureza tributária. De uma maneira geral, pode-se dizer que o novo marco legal trouxe “bondades” e “maldades” aos contribuintes.
Um primeiro aspecto bastante celebrado das novas regras é a perspectiva de substituição dos depósitos por outras garantias durante a tramitação do processo tributário1. Até então, havia previsão expressa de que o depósito só seria levantado após o trânsito em julgado da ação (Lei nº 9.703/98, art. 1º, §3º); já a nova lei dispõe que o levantamento será feito “conforme dispuser a ordem da autoridade judicial”, sem impor parâmetros ou limitações sobre o momento em que essa ordem pode ser deferida.
Sob a lei anterior, a jurisprudência era intransigente sobre o tema (p.ex.: TRF3, AI nº 5012492-84.2018.4.03.0000). Com a suavização da nova lei, abre-se uma janela para pleitos de substituição da garantia, principalmente em mandados de segurança e ações anulatórias, uma vez que, em execuções fiscais, há norma especial condicionando o levantamento ao trânsito em julgado (Lei de execuções fiscais, art. 32, §2º).
A mesma Lei nº 14.973/24, por outro lado, despertou preocupação e insatisfação dos contribuintes em razão da mudança do índice de correção dos depósitos judiciais. No regime anterior, os depósitos eram corrigidos pela Selic (Lei nº 9.703/98, art. 1º, §3º, I), que, como se sabe, é o índice de atualização dos tributos federais; agora, a atualização passa a ser feita pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), historicamente inferior à Selic (salvo em alguns excepcionais intervalos nos últimos anos).
A adoção do IPCA é duplamente desvantajosa: se o contribuinte ganhasse a ação, levantaria um valor menor; e se perdesse a ação, estaria potencialmente sujeito à obrigação de complementar a diferença entre o saldo do depósito e o valor atualizado da dívida tributária, decorrente da defasagem entre o IPCA e a Selic.
Essa ameaça de insuficiência do depósito judicial origina-se do julgamento do Tema Repetitivo nº 677 pelo STJ, em 2022. Nesse precedente, de natureza cível, a Corte fixou a tese de que o devedor segue responsável pela eventual diferença entre os índices de atualização do depósito e da dívida original.
A necessidade de complementação do depósito convertido em renda da União seria uma verdadeira sentença de morte desse expediente na seara tributária. Realmente, nenhum contribuinte buscaria suspender a exigibilidade de débitos tributários mediante depósito judicial, ante o risco de futuro desembolso adicional, em caso de insucesso da ação.
Já se ensaiavam, assim, sólidos argumentos de inaplicabilidade do Tema nº 677 a depósitos tributários, em razão da existência de normas especiais assegurando, ao depósito, a eficácia extintiva do crédito tributário (Lei de Execuções Fiscais, art. 9º, §4º e CTN, art. 156, VI).
Editada para regulamentar a Lei nº 14.973/24, a recente Portaria MF nº 1.430/25, felizmente, distensiona esse debate. Ao esclarecer que inexiste “descompasso de atualização entre o valor depositado e o valor da dívida” (art. 8º, §1º), a norma assegura, a nosso ver, a desnecessidade de qualquer complementação posterior em caso de conversão em renda em favor da União.
Há um racional indisputável para tanto, que é a transferência imediata do depósito para a Conta Única do Tesouro Nacional (art. 3º da portaria). Ou seja, a União não fica privada do uso dos recursos depositados pelo contribuinte, pelo contrário, acessa-os integralmente desde o momento de realização do depósito. Ao final da ação, confirmando-se sua vitória, o depósito é simplesmente baixado – ou “concluído”, na dicção da portaria.
Essa mesma dinâmica de transferência ocorre também nos depósitos judiciais de tributos estaduais e municipais (LC nº 151/15, art. 3º), o que enseja uma possível aplicação analógica da Portaria MF nº 1.430/25 para sustentar a inexigibilidade de complementação dos depósitos em ações tributárias desses demais entes federativos.
Se a Portaria MF nº 1.430/25 resolve o problema dos depósitos em caso de derrota do contribuinte na ação, não o remedia em caso de vitória. Para essa situação, segue a percepção de que o depósito, com a nova lei, tornou-se menos atrativo, deixou de ser uma “boa aplicação financeira”, o que pode induzir contribuintes a optarem por outras formas de garantia.
Em caso de substituição do depósito no curso do processo, no entanto, essa percepção talvez não seja tão verdadeira, caso a diferença entre IPCA e Selic seja muito expressiva. Imaginemos um depósito judicial de R$5.000.000 feito hoje, imaginemos que, em 2030, o contribuinte cogite pleitear sua substituição por um seguro-garantia, imaginemos, finalmente, que, em 2030, a dívida tributária atualizada pelo IPCA seja de R$6.000.000 e, atualizada pela Selic, seja de R$8.000.000. Nesse caso, a apólice a substituir o depósito teria que ser oferecida no valor de R$8.000.000, e não de R$6.000.000, aumentando o custo da nova garantia, a ser comparada à alternativa de manter simplesmente o depósito já efetuado cinco anos antes.