A cobrança do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) quando o doador reside no exterior é uma novela antiga que acaba de ganhar um novo capítulo. Como se sabe, em 2021 o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Tema-RG nº 825 e firmou a tese de que a incidência do imposto, quando o doador não está no Brasil, depende de lei complementar nacional, que até hoje não existe.
Essa lei complementar deverá ser finalmente incorporada ao sistema tributário com a iminente aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 108/24, ora em trâmite no Congresso Nacional. No final de 2023, no entanto, a Emenda Constitucional (EC) nº 132/23 antecipou a solução do impasse e veiculou regras necessárias à incidência do ITCMD naquelas hipóteses, prevendo, ainda, que tais regras valem até que sobrevenha a lei complementar.
Já a partir de dezembro de 2023, portanto, o chamado “fluxo de positivação” do ITCMD ficou completo, e o imposto passou a ser validamente cobrável nas doações com doador residente no exterior.
O STF, porém, colocou agora um asterisco nessa conclusão. No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.553.620/SP, a Primeira Turma do STF manteve a impossibilidade de cobrança do ITCMD pelo estado de São Paulo, quando o doador reside no exterior. Para o Supremo, havia uma peculiaridade decisiva no cenário legislativo paulista: é que, na esteira do Tema-RG nº 825, a Lei Estadual Paulista nº 10.705/00 (arts. 3º, §1º e 4º) já havia sido declarada inconstitucional pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.830, em 2022, de modo que sequer existia base normativa estadual que amparasse a pretensão fazendária.
Em seu recurso, o Estado de São Paulo sustentou que “a ratio decidendi do Tema 825 fundava-se exclusivamente na ausência de lei complementar”, deficiência que foi suficientemente suprida pela EC nº 132/23.
No caso concreto, entretanto, a norma estadual invocada pela Fazenda já havia sido expulsa do ordenamento jurídico pelo Judiciário. A Fazenda paulista pretendia, assim, uma espécie de “ressurreição legislativa”, amparada na superveniência de uma norma constitucional que, em tese, poderia reabilitar o dispositivo antes invalidado — tese que o Supremo afastou de forma expressa.
O obstáculo à pretensão do fisco paulista, portanto, não era mais a ausência de lei complementar, mas sim a ausência de lei estadual.
O STF concluiu que “o Tribunal de origem, de forma correta, decidiu não haver base legal a sustentar a cobrança do imposto estadual, o que torna inviável o reconhecimento da incidência tributária na espécie em exame, mesmo após a edição da Emenda Constitucional nº 132/2023.”
Assim, diante da anterior declaração de inconstitucionalidade da norma paulista, o STF entendeu que a regra constitucional autorizadora introduzida pela EC nº 132/2023 não é suficiente para suprir a lacuna legislativa no âmbito estadual, mantendo, portanto, a impossibilidade de cobrança do ITCMD em São Paulo sobre as doações provenientes do exterior, enquanto não sobrevier nova norma paulista prevendo a incidência do imposto nessas situações.
A perspectiva de afastar o ITCMD nas doações do exterior, portanto, não se estende necessariamente aos demais estados, mas apenas àqueles que também tiveram suas leis estaduais julgadas inconstitucionais (como, por exemplo, a lei alagoana, declarada inconstitucional pelo Supremo na ADI nº 6828).